Inicio minha contribuição nesta coluna agradecendo a confiança da diretoria da Associação Movimento Brasil Laico!
Eu tenho 46 anos, sou assistente social há 21 anos, atualmente na Defensoria Pública do Estado de São Paulo e associado ao Movimento Brasil Laico. Cursei Mestrado em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Sociais da PUC/SP e pesquiso de forma independente sobre laicidade e Direitos Humanos. Recentemente iniciei o desenvolvimento da atividade de Criador de Conteúdo Digital, como editor, produtor e apresentador do Canal “Não Creio!?” no Youtube e no Spotify, para os quais deixo aqui o convite para que acessem e acompanhem.
Quero trazer, nesta primeira aparição periódica aqui na coluna do MBLaico, uma breve exposição do que penso sobre um dos desafios para a laicidade no governo Lula. Sim, a problematização é essa, porque como o novo governo federal não será de esquerda, é a laicidade que permanecerá enfrentando desafios, dado que será ampla a gama de medidas polêmicas a serem tomadas, caso o governo queira, de fato, resgatar o mínimo de legitimidade a esta pauta.
Exemplos disso são o aparelhamento religioso do MEC e o avanço da tramitação no Senado do Projeto de Lei 1338/2022 do Homescholling, após vitória no STF em 2018 e a condição da educação no pós-quarentena da pandemia de COVID-19, ameaçando o ensino básico público, na medida em que a primeira situação colonizou a segunda, que já era algo bastante questionável em se tratando do ensejo de enforcamento da liberdade de consciência que propõe para a educação básica.
O homescholling, uma tradução para o inglês de “educação domiciliar” é mais uma importação de concepção de liberdade estadunidense, altamente focada na concepção individualista de direito e contra o direito público universal. Seus defensores atuam no Brasil desde o final do século 20 e entendem que as “famílias” tenham o direito de não mandar seus filhos à escola e passem a garantir sua educação em casa, com base numa suposta falência do modelo escolar de educação. Ou seja, ao invés de se porem no debate em favor do investimento público na qualidade escolar, querem que as crianças possam ser “educadas” por eles mesmos, em casa.
Além de esdrúxula para um país desigual como o Brasil, a proposta é extremamente elitista e segregadora, pois prevê critérios como cadastro e acompanhamento pela escola (a mesma instituição falida para os defensores desse PL) e um dos pais ter ensino superior e se responsabilizar pela educação no domicílio, e para garantir também a qualidade das relações sociais das crianças. Já fica nítido que, no machismo estrutural em que ainda vivemos, este papel será delegado à mulher que, mesmo com ensino superior, não conseguirá trabalhar (mesmo em casa) para dar conta dessas responsabilidades, caso a família seja rica demais para não precisar vender sua força de trabalho como mercadoria.
Como sabiam que, demograficamente, isso seria inviável, os defensores disso criaram a figura do “preceptor” no Projeto de Lei, que nada mais seria do que um/a professor/a particular, cadastrado/a como tal, para garantir o papel que evidentemente não poderá ser desempenhado pelos pais e responsáveis.
Onde entra a laicidade nisso?
Justamente nesta possibilidade da contratação do "preceptor" pela família, pois como se trata de uma proposta conservadora, ou seja, que prevê um retrocesso abissal da educação, desvinculando-a do ambiente (ainda que relativamente) laico e socializador da escola, atraiu imediatamente o interesse religioso institucional, principalmente o já estabelecido no campo da educação brasileira.
O PL do Homeschooling, se tornando lei, aumentaria a fatia de acesso da famílias ao mercado educacional, escancarando as portas para a possibilidade de um representante da religião entrar e permanecer nos domicílios, sob chancela do Estado, com amplo terreno para a educação se estabelecer com facilidade no cotidiano religioso, alçando, também, diversas possibilidades de minar o caráter público e laico da educação, tendo no ensino do criacionismo como apenas um exemplo nefasto.
Extirpar, portanto, o aparelhamento religioso do MEC, bem como pressionar os/as senadores/as e fazer campanhas públicas pela qualidade na educação será tarefa básica para um governo que se diz comprometido com a laicidade do estado.
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