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Foto do escritorSimone Andrea

Natal, mentiras e assédio religioso

Todo fim de ano, a mesma coisa: mensagens de Natal com conteúdo confessional. No passado, isso exigia despesas de quem podia pagar pela compra de cartões e os preços dos Correios. Por isso, o envio de cartões, quando ocorria, era reservado a familiares e amigos. As redes sociais e os smartphones, hoje, possibilitam o envio gratuito de qualquer coisa a qualquer pessoa. Confesso que já enviei muitos cartões, mas os meus nunca tiveram conteúdo confessional. Normalmente, limitava-me a desejar à(o) destinatária(o) "Boas Festas" ou "Feliz Ano Novo".


Parece que não passa pela cabeça das pessoas a possibilidade de alguém não ser cristão. Ou ateu, agnóstico, cético, crítico da própria fé que lhe foi desde a infância ensinada. Ou então a pessoa declara uma religião, mas vive-a de forma muito individualizada. Por quê?


Porque a religiosidade brasileira é autoritária. Autoritária, porque faz uma presunção absoluta, que NÃO aceita argumento contrário, de que TODAS as pessoas são ou DEVIAM ser cristãs. Se alguém se declara ateu, agnóstico, umbandista, xintoísta ou judeu, ou o(a) interlocutor(a) reage como se não entendeu nada, ou tenta doutrinar a ovelha desgarrada do rebanho. Em alguns casos, recorre à violência. Os terreiros destruídos e os fieis de cultos afro testemunham-no.


A religiosidade brasileira é brega. Eu disse isso mesmo: b-r-e-g-a. Cafonérrima, porque exibicionista. A pessoa fala em "Deus" toda hora, é deus te abençoe, deus te crie, vai com deus, deus tá vendo, deus castiga, ai meu deus, que deus ajude, marcando território como pessoa "de Deus", "do bem", como se ser religiosa fosse prova de virtude. Uma grife! Com esse exibicionismo, a pessoa assedia o(a) interlocutor(a) a fazer parte de seu universo (o religioso). E a liberdade de consciência e de crença, como fica?

Ah, mas ele(a) tem que compreender. Eu creio em Deus, se ele não aceita, o problema é dele. Eu vou levar a Palavra! Ela é ruim porque não aceitou Jesus.


Por essas razões, mensagens de Natal com conteúdo confessional são autoritárias e bregas.


A religiosidade brasileira é atrasada. O povo brasileiro ainda situa-se no estágio da consciência mágica, o primeiro da consciência humana, na qual a pessoa busca explicações sobrenaturais para os fatos que o afetam e não consegue compreender. Assim, cria divindades e afins, com eles estabelecendo uma relação de dependência e submissão. Tem uma visão fatalista da vida.


Quase sempre este fatalismo está referido ao poder do destino ou da sina... ou a uma distorcida visão de Deus. Dentro do mundo mágico ou místico em que se encontra a consciência oprimida, quase sempre imersa na natureza, encontra no sofrimento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, como se Ele fosse o fazedor desta ‘desordem organizada’.

(Freire, 1978, p. 52-53).


Romeiros que percorrem quilômetros de joelhos, promessas feitas a alguma divindade, crença em milagres que desafiam evidências científicas, a crença segundo a qual a defesa de ideias libertadoras é pecaminosa e atrai a ira divina: consciência mágica.


Incapazes de distinguir o pessoal do coletivo, de estabelecer relações de causa e efeito entre eventos passados, presentes e futuros, crentes de que tudo se dá pela "vontade de Deus", o portador de consciência mágica não vislumbra nem aceita outro modo de vida que não o seu. Um dos sintomas da consciência mágica é a intrusão da religião na política. As pessoas acreditam que têm que votar em quem "Deus manda", leia-se, em quem os sacerdotes mandam.


Essa forma primitiva de pensar fez com que o divórcio levasse mais de 80 anos para ser permitido no Brasil, desde a primeira proposição, em 1893, pelo Deputado Érico Marinho, até a Emenda Constitucional 9/1977 (à Constituição de 1967), do Senador Nelson Carneiro. O voto favorável do líder do governo na Câmara facilitou a aprovação da EC 9/1977. O fato de o Presidente Ernesto Geisel ser luterano, e não católico, teria levado o líder do Governo a votar como votou e encorajado a base aliada a segui-lo.


A consciência mágica subjacente às religiões leva as pessoas a tomarem como verdadeiras, incontestáveis, histórias cuja ocorrência não foi verificada e a afirmação de fatos que desafiam até mesmo axiomas físicos e biológicos. Assim, dizem que a jovem Maria teria engravidado do Espírito Santo (e mantido sua virgindade antes, durante e após o parto): trata-se do dogma da Virgindade Perpétua de Maria.


A Biologia desmente esse mito: se, de um lado, é possível a uma mulher engravidar sendo virgem (ejaculação perto da vagina em período fértil), de outro, não é possível a uma mãe continuar virgem após um parto vaginal. Maria engravidou de um homem, seja do noivo ou de outro jovem de quem ela gostava. Ou não gostava. O dogma da "virgindade perpétua" não se sustenta, ainda, tendo em vista a sociedade patriarcal hebraica e a misoginia das autoridades romanas: em tal contexto, que marido permaneceria casado com uma mulher que se recusa a com ele manter relações, sobretudo um homem maduro e saudável?


Martinho Lutero, monge católico que se rebelou contra a venda de indulgências e foi excomungado, acreditava no dogma, mas entendia que ninguém era obrigado a aceitá-lo como prova de fé.


A Igreja Católica afirma que Jesus não teve irmãos, contrariando a literalidade dos Evangelhos (Mateus 13:55-56, Marcos 6:3, Lucas 2:7). As Testemunhas de Jeová, por exemplo, refutam tal afirmação, precisamente com base nos Evangelhos.


Quanto a Jesus, para a dogmática católica, é um deus, o Filho do Deus Pai da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. O Espiritismo cristão, porém, rejeita a divindade de Jesus, assim como o Judaísmo.


Ninguém sabe ao certo quando Jesus nasceu. Há quem duvide de sua existência. Evidências históricas apontam para as origens não-cristãs do Natal: a Saturnália, festa romana que durava sete dias e começava em 17 de dezembro, e Sabat Yule, celebração celta que marca o Solstício de Inverno. Entre 320 e 353, o Papa Júlio 1º fixou a solenidade do Natal em 25 de dezembro, talvez para facilitar a conversão de romanos.

25 de Dezembro é uma ordem papal, não um fato comprovado.


As religiões baseiam-se em "verdades" (dogmas) que não podem ser verificados. Ao contrário da ciência, que se baseia em métodos de pesquisa, teste das hipóteses para verificá-las no plano da realidade. Ou não.


A fé é uma aflição terrível.  É como amar alguém que está no escuro e não aparece quando se chama. (BERGMAN, 1957).




Fontes:

ALVES JR., André Luiz. Jesus não é deus. Disponível em: https://www.oconsolador.com.br/ano9/427/andre_alves.html. Acesso em 24/12/2024.

BELTRÃO, Tatiana. Divórcio demorou a chegar no Brasil. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/divorcio-demorou-a-chegar-no-brasil/divorcio-demorou-a-chegar-no-brasil. Acesso em 24/12/2024.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1978.

JESUS era casado? Jesus tinha irmãos? Disponível em: https://www.jw.org/pt/ensinos-biblicos/perguntas/jesus-era-casado/. Acesso em 24/12/2024.

 O SÉTIMO Selo.  Direção de Ingmar Bergman.  Oslo (Suécia):  AB Svensk Filmindustri, 1957.

LEONE, Alexandre. Uma visão judaica sobre Jesus. Disponível em: https://conic.org.br/portal/conic/noticias/uma-visao-judaica-sobre-jesus-de-nazare. Acesso em 25/12/2024.

SOUZA, Luiz Eugênio Sanábio e. Por que Jesus Cristo é o Senhor? Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-02/jesus-senhor.html. Acesso em 24/12/2024.








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